sexta-feira, 16 de maio de 2008

Crônica de uma noite anunciada

O mês de maio esforçava-se em descontar a solidão nas gotas de chuva que enregelavam a fumaça que saía dos escapamentos e de nossas bocas. A calçada desregulada sentia o peso de nossos passos apressados.

– Corre Carol! Hahahaha!!! Vamo chegar lindas no Lennon! Meu conga fazia par com as sandálias dela. Plac, plac, plac...
– Puta que pariu! Uma dose de cana!!!

Sexta era noite de buscar o Lennon, barzinho escuro e esfumaçado, microcosmo dentro da noite. Tinha de tudo. Playboy escroto, patricinha oxigenada, estudante puta e puto, drogadetes, intelectuais de ocasião, gente esquisita de monte. Lá, eu e Carol, bebíamos, afugentávamos o frio e qualquer idéia de autodestruição.

Pés dentro do bar. O corpo se dissipa de jaqueta e pudores. Nossos olhos vermelhos como o letreiro. Apinhado de gente o Lennon recende. Lugar pequeno. Pra passar só mesmo se roçando em quem estiver pelo caminho. A fumaça de cigarro impregna as narinas. A música alta ensurdece os ouvidos. Na bancada do bar que se oferece escandalosa, o primeiro gole de vodca desce quente. Cortando. Num baque o coração troca de mãos. Os olhos caçam, se desfazem em promessas na pouca luz. Os lábios se escancaram em gargalhadas falsas, debochadas, sequiosas. O rossa-rossa, o passa-mão descarado, e gostamos e sorrimos. Empinamos seios e bunda. O Lennon recende a sexo e amores espúrios.

Duas, três, quatro doses de vodca e já estava de pilequinho, leve como pluma, falando do universo, da vida e tudo mais com o estranho de jaqueta verde. Ele bonitinho, eu a fim de beijar na boca e sarrar atrás da pilastra. A noite, fêmea caprichosa, cobra alto. Ilude, injeta cobiça e luxúria. Massacra desavisados. E vale tudo pra abocanhar meu pedaço de amor simulado. Ele, bem... Ele coube perfeitamente na medida de meus desejos provisórios. No canto de parede respeitamos as convenções. O jogo das aparências era jogado. Um saco. Ninguém se engana. No fim, na minha casa ou na sua? Meus vinte e cinco anos valem mais que as razões sensatas. “Prefere Bukowski ou Ginsberg?”.

Descemos os dois degraus que separam o bar do inferninho quente, dilatado pelos corpos que se revolviam fingindo dançar. Sinto quando a mão percorre cada uma de minhas vértebras. Minha mente incapaz de romper a cortina do álcool só capta instintos descontrolados. O olho nu varre meu rosto em busca de reconhecimento. “Não baby, eu também me sinto só”, tive vontade de gritar. “Vem cá meu bem me dá um beijo. Eu sei que não é você”. Levanto o copo. Um brinde ao navio dos vivos, alguns já bem mortos. Executo meus versos íntimos, dou um tiro em minha cara. “Vem cá meu amor, meu bem, meu querido, toma o que te dou de graça, a conta sou eu que pago”. Um brinde à língua que me lambe, às mãos que me apalpam, ao álcool que me entorpece. Valiosos suicídios emocionais, o que seria de mim sem vocês?