terça-feira, 15 de abril de 2008

É muito mais elegante...

Andava a sentir falta do que havia sido, do que, via de regra, não seria jamais. Por dias remoeu memórias e fotografias, lembranças de tempos idos, passados despercebidos.

Olhava-se no espelho, assustado, aquele semblante de vinte e alguns anos que poderia parecer-lhe mais ou menos velho, dependendo do dia ou do dia anterior. Procurava marcas novas, linhas de expressão, mas não as encontrava na face e nem na cor dos cabelos. Desfilavam em outros lugares.

Mudaram os lugares para onde ia, mas não aquelas passadas leves e longas. Os assuntos debatidos no vai-e-vem do botequim, enquanto envelheciam os transeuntes. Mudaram os ocupantes das cadeiras da câmara municipal. Mudou a sua disposição para as goladas no etílico gelado, antes movidas pela euforia, agora pela reflexão da ebriedade. Seu jeito de desejar as mulheres, de admirar-lhes pernas e seios, cores e lábios, ainda existia, contudo, agora havia aquela propensão ao desejo de uma certa segurança que não existia nas noites e mulheres de antigamente.

Aquelas roupas que não lhe cabiam mais, embora ainda se ajustassem ao corpo. O volume mais baixo das músicas no rádio. O convite de casamento do melhor amigo sobre a escrivaninha. Que paletó devo usar? A antiga namorada, já mãe de dois filhos, passeando na pracinha... etecetera, etecetera e tal...

Medo, tremedeira, suor.

Se pensasse mais a esse respeito seria capaz de correr nu pelo mundo, anunciando o holocausto existencial impreterível. Melhor não insistir.

Elegantemente seguiu carregando a tiracolo essa certeza, com a certeza de que todos a seu lado, nas esquinas e padarias também faziam o mesmo. E, desde cedo, fez questão de esquecer de envelhecer enquanto envelhecia.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Mavi e o saxofone

"Olha! Lá vai Mavi com o saxofone!"

"Por que faz tanto barulho?"

"Ele tem fome. Fome de devorar o mundo!"

Caminha resoluto. A noite afasta os babados da saia e ele passa com os olhos
marejando estrelas. As mãos de veias roxas, acostumadas aos movimentos dos
lábios, puxam o cigarro incendiário. Os passos trôpegos acompanham o
pensamento desenfreado. A solidão não o assusta. Abre um sorriso e parte a
cidade ao meio.

"Olha! Lá vai Mavi com o saxofone!"

Na primeira bodega pede uma lapada de cana. A menina olha e faz que não vê.
Tem pernas engraçadas, pernas de tereza. Olhos marejando sexus, plexus e
nexus. É um janota de botequim bem cuidado. A solidão sempre o
acompanha, ele sorri... E parte a menina ao meio.

Olha! Lá vai Mavi carregando seu saco de poesias. Distribui seus suspiros
entre as folhas de amendoeiras. Dedos negros de asfalto. O olho vesgo da
noite admite sua passagem. É um homem com uma dor. Quando as luzes acendem
não mais o encontrarão ali. A solidão o partiu ao meio.