domingo, 26 de agosto de 2007

CARTILHA UNIVERSAL DE BILHETES EXPRESSOS PARA RELACIONAMENTOS CRONOMETRICAMENTE EXPRESSOS:


Modelo nº 22

Ô, (graça do moço)!
Quando se toma uma decisão séria dessas é bom que se avise.
(graça da moça), coitada, passou a semana falando em te encontrar. Disse até que sonhara que você salvava a vida dela extraindo um bicho de pé de seu dedo mindim...
Sem falar nos bombons que teve que comer todos, um por um, os bombons que seriam exclusivamente seus e que não encontrou uma ocasião para lhes oferecer.
E você responde assim, com esse silêncio, silêncio que não se sabe ser de vazio ou de completude. É capaz do silêncio ser parte de um plano, uma estratégia para os dias passarem mais rápido e a vida voltar às normalidades como se um raio não tivesse atingido suas cabeças.
Então, (graça do moço), por favor, de uma próxima vez, vê se avisa.

(assinatura do cupido mal sucedido).

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Peça a Deus uma Ferrari

Cansado da falta de emprego, de amor, de dinheiro e de festas pouco interessantes e animadas, Josué resolveu convidar Deus para um chá. Ia colocar os pingos nos “is”, resolver tudo de uma vez por todas.

Olhou no armário empenado: um pacote já aberto de bolacha cream-cracker, meia lata de leite Ninho, um vidro de picles e Nescafé mofando. Na geladeira vazia a lata de doce de leite fazia par com as três garrafas de água e a pilha alcalina. Na padaria demorou cerca de meia hora para convencer Dona Araci que seria a última vez que comprava fiado, ela acreditasse, era um uma ocasião especial, iria receber uma pessoa da mais alta categoria e se a sra. colaborasse até sua vida poderia mudar.

Dona Araci, minutos depois fofocava com as vizinha que Josué deveria realmente estar passando muita necessidade, nunca fora de inventar conversa e aquela história de mudar a vida, coitado, delírio de esfomeado.

Em casa começou a preparar os comes e bebes, pena Deus ser onisciente, nem dava pra fazer surpresa. Colocou na mesa capenga a toalha do enxoval da mãe falecida, escolheu as xícaras, os pires (nenhum combinava), o vaso de flores de plástico calhava bem para esconder o furinho no meio da toalha. Varreu, espanou, organizou. Tomou um severo banho, colocou a camisa que tinha pego na loja tomando cuidado com a etiqueta, mais tarde iria devolver, colocou a calça que tingira na tarde anterior, sapato engraxado e ficou esperando Deus aparecer.
Pontualmente ás cinco horas da tarde, em uma fulgurante nuvem dourada, com um séqüito de anjos ao redor, Deus tocou a campainha do apartamento de Josué.

- Boa tarde, Deus, vá entrando, por favor, pontualíssimo. (Daí a se acreditar que Deus seja britânico.)
- Boa tarde meu filho, que alegria ser convidado teu. (E Deus foi entrando precedido por um bando de anjinhos loiros e rechonchudos.)

Josué ficou um pouco aflito, estava esperando só o dono dos bois, não a vacaria inteira. Adivinhando seus pensamentos Deus o acalmou:
- Não te aflijas meu filho, meus querubins não ingerem qualquer tipo de comida ou bebida, são seres sem sexo ou apetite.
- Que bom Deus, sabe como é, esperava apenas vossa santidade.
- Santidade é um título utilizado apenas para o Papa, meu filho, chama-me de Deus ou se preferir de Pai.
- Então, gostaria de pedir um favor, dava para O senhor não ler meus pensamentos? Fico um tanto encabulado com isso e acho que assim a conversa vai se tornar menos presumível, que tal?
- Se preferes assim , filho...

Tomaram café e conversaram amenidades, Josué perguntando como ia a mãe e Deus reclamando de como a eternidade podia ser enfadonha. O doce de leite fez um sucesso tremendo e Deus pediu que Josué encomendasse umas 300.000 latas para distribuir entre os santos que andavam reclamando demais do trabalho árduo e já comentava-se nos bastidores uma greve geral.

- Por falar em trabalho, Deus, eu gostaria de falar com O sr. sobre minha situação.
- Pois não filho meu, fala que escuto-te.
- Deus para começar, o caso é que nasci no país errado, acho que se tivesse nascido em um país europeu ou algo assim a situação seria outra. Primeiro eu seria alto, loiro e teria lindos olhos azuis, isso já iria resolver um dos meus problemas: falta de mulher. Depois eu teria uma educação maravilhosa, melhor do mundo, iria falar pelo menos três idiomas, aí meu outro probleminha estaria também resolvido: eu iria ter um ótimo emprego e por fim, teria dinheiro para bancar uma gata, comprar uma Ferrari e viajar para os países de terceiro mundo para sentir nojo dos habitantes.
- Umm... percebo... (Disse Deus com a mão no queixo.)
- Diante de todos esses fatos, que nem mesmo o Sr. pode se furtar, eu proponho o seguinte: me faça nascer novamente entre uma família branca e aristocrática.
- Mas meu filho, o que você me pede é impossível!
- Como impossível, o Sr. é Deus ou não é? Onisciente, Onipresente, Superpotente?
- O que você me pede é impossível, existem leis que nem eu mesmo posso descumprir.
- Não estou compreendendo, Oh Deus.
- Meu filho, tu és católico e como tal deves saber que tua religião não admite reencarnação.
- Mas eu não quero morrer!
- Não queres morrer? E como hás de nascer novamente?!
- O Sr. pensa que sou bobo? Já tinha pensado em tudo isso, se eu não morrer, vai ser milagre, não reencarnação.
- Bom, analisando por esse ângulo...Pode ser...Faça o seguinte, dê-me uma semana para refletir melhor.
- Uma semana no tempo dos homens.
- Está bem. (E Deus foi embora na nuvem dourada cercado de anjinhos loiros e gorduchos.)

Uma semana depois Gabriel acordava Josué.
- Acorda-te criatura vil. (Gabriel detestava os humanos).
- Que susto! Isso é jeito de acordar? Não sei como Maria não perdeu a criança!
- Venho trazer-te boa nova. Deus manda dizer para prepara-te pois uma grande mudança irá acorrer em tua vida.
- Ah, que ótimo! Então ele concordou. (Gabriel esvaeceu no ar.)

Josué levantou outro, disposto e animado como não se sentia há muito tempo. Bebeu um café para despertar e esperou. De repente um mal estar tomou conta de seu corpo, ele olhou para as mãos e já não as enxergava, estava desaparecendo, abriu um sorriso. Tudo iria dar certo.

Abriu os olhos. Primeiro viu uma vaquinha, depois um burrinho, depois cinco pessoas olhando para ele, entre os quais uma mulher, então viu a estrela cadente riscar os céus e os gritos:
- Viva o Nazareno!

Não podia acreditar! Deus havia roubado sua idéia! Iria ser loiro, alto, ter olhos verdes, ser rei e morrer na cruz, não era justo! Enquanto isso, Jesus iria ficar com a Ferrari, as viagens e as gatas! Bem que sua mãe avisara: não confie em ninguém. Abriu o berreiro, agora só dali a dois mil anos para destrocar.

sábado, 4 de agosto de 2007

Nada sério...

Apaguem as luzes e acendam velas. Às escuras ninguém é normal. Colham as rosas do lixo, alimentem-nas em garrafas de espumante e sentem-se para o café. Às escuras tudo é permitido!
O deleite feminino, o acontecimento funesto, o decisivo acontecimento que conduz ao desenlace da tragédia, a tragicomicidade das más estrelas. Aqui o pano cai!
Perdoem-nos pelo desastre!




Cabelos, olhos, sapatos, vestuário, vocabulário. Aquela mesa de bar, aquela da repartição. O que você fala, onde fala, o quanto bebeu e com quem. A que horas acorda, para onde vai. O salário no fim do mês.
Associai a tua imagem ao papel que desempenhas ou pretende desemprenhar! Putas, santas, funcionárias federais, mulheres de senador, donas-de-casa, profissionais liberais... Abri vossos guarda-roupas, escancarai vossas dignidades, dispam-se de vós pela metade e encarnem vossa imagem diante do digníssimo público. Talvez, no máximo, a metade vos pertença, pois o resto é sempre do mundo.
Não basta ser, é preciso mais parecer ser. Tem que dar a entender ao mundo inteiro, senhoras e senhores, a sua posição tão séria e papel comprovado, carimbado e atestado em consenso social.
Há que se consumir, em horas a fio, todas as idéias e todos os padrões para absorvê-los, para estar apta a atender demandas e receber o troco e receber qualquer respeito. Não, não deveria ser assim, mas o é. De fato.
E, de repente, quando você se pega de pé, diante da própria imagem refletida, estigma de corpo e alma inteiros, portadora de cédula de identidade, título de eleitor, carteira de trabalho, munida de boletos bancários e contas a pagar, lembrando do horário de ponto do dia seguinte... É aí, justamente aí, que o mundo inteiro tem razão.