terça-feira, 15 de abril de 2008

É muito mais elegante...

Andava a sentir falta do que havia sido, do que, via de regra, não seria jamais. Por dias remoeu memórias e fotografias, lembranças de tempos idos, passados despercebidos.

Olhava-se no espelho, assustado, aquele semblante de vinte e alguns anos que poderia parecer-lhe mais ou menos velho, dependendo do dia ou do dia anterior. Procurava marcas novas, linhas de expressão, mas não as encontrava na face e nem na cor dos cabelos. Desfilavam em outros lugares.

Mudaram os lugares para onde ia, mas não aquelas passadas leves e longas. Os assuntos debatidos no vai-e-vem do botequim, enquanto envelheciam os transeuntes. Mudaram os ocupantes das cadeiras da câmara municipal. Mudou a sua disposição para as goladas no etílico gelado, antes movidas pela euforia, agora pela reflexão da ebriedade. Seu jeito de desejar as mulheres, de admirar-lhes pernas e seios, cores e lábios, ainda existia, contudo, agora havia aquela propensão ao desejo de uma certa segurança que não existia nas noites e mulheres de antigamente.

Aquelas roupas que não lhe cabiam mais, embora ainda se ajustassem ao corpo. O volume mais baixo das músicas no rádio. O convite de casamento do melhor amigo sobre a escrivaninha. Que paletó devo usar? A antiga namorada, já mãe de dois filhos, passeando na pracinha... etecetera, etecetera e tal...

Medo, tremedeira, suor.

Se pensasse mais a esse respeito seria capaz de correr nu pelo mundo, anunciando o holocausto existencial impreterível. Melhor não insistir.

Elegantemente seguiu carregando a tiracolo essa certeza, com a certeza de que todos a seu lado, nas esquinas e padarias também faziam o mesmo. E, desde cedo, fez questão de esquecer de envelhecer enquanto envelhecia.

Um comentário:

Mariazinha Tiro a Esmo disse...

Arri égua Aureliana!Sei mais nem te fazer elogio...encabulei!


Maravilhoso!