sexta-feira, 21 de março de 2008

Ainda

Desceu as escadas correndo, cheiro molhado de terra fria, pés descalços. Chuva fina. Era feliz nesses momentos em que percebia o quanto ainda tinha da menina que fora um dia. Era como voltar no tempo, mas sem precisar deixar de crescer. Era a mesma sensação. Começo de dia. Abriu o portão, atravessou em dois saltos as poças d'água, a calçada, sentiu a areia. Desenhou um sol. Um sol imenso na areia. Suas pernas como compasso, formaram o círculo no chão, depois, tantos raios. Uns maiores, outros menores. Quanto mudou desde aquele tempo? Quanto cresceu seu corpo? O que mudou desde a época em que desenhavam o sol no chão e esperavam a chuva passar para continuar as brincadeiras?
Tragou profundamente. Encheu os pulmões, soltou de leve a fumaça e sentiu o vento no rosto. As vozes recentes, velocidade. Anoitecia, depois de um dia inteiro sem sol, mas não chovia mais. O asfalto ainda úmido e o cheiro das árvores da estrada foram as únicas coisas a ficar. Seus dedos, como suporte, descreviam um arco no ar, até os lábios. Sorvia a fumaça, a música e todos os pensamentos de uma vida inteira. Era como viajar de férias, sem pressa de chegar, aproveitando o caminho, olhando atentamente tudo a seu redor, respirando com força.
Rodaram a garrafa. Um, dois, três giros... Movimentos mais lentos... Parou. A tampa virada para ela. Cânhamo, vinho tinto, exalando álcool. Verdade ou consequencia? Era como nas noites daquele tempo, na calçada de casa, quase clandestinamente! "Você está gostando do Luis?" E o rosto ficava vermelho. E a resposta saia com medo, quase sem sair ou quase sem pensar. Outro gole, enquanto pensava, depois outro. Os rostos que nunca viu. Verdade? Embora tenha pago sempre todas as consequencias das perguntas que na vida não conseguiu responder, aquilo não era simples assim... Consequencia. Bebeu de uma vez todo o líquido, o copo inteiro! Vira, vira! Descendo pela garganta, quente, quase ânsia de vômito, tontura. Calou a resposta, desejou em silêncio, enquanto a esmiuçava em pensamentos. Eu o beijaria, sim, sentiria a língua, os dentes, enquanto os dedos dele iam deslizando, enquanto as minhas mãos...

2 comentários:

Fred Delgado disse...

Eita, se não fosse a timidez, o Luis estaria agora com um sorriso no rosto cheirando os dedos. :]

João Jales disse...

Por mil vezes beijasse o tal Luís, mas nada se compararia à ver os rostos pervertidos e traiçoeiros das amigas, descontentes com o "Conseqüência" proferido.

Fofoca é fofoda. Dá cupim em qualquer madeira de lei, viu...